EM localiza Tonho e Cacau, a dupla que estampou a capa do Clube da Esquina há 40 anos

Ainda mais rápidos do que o habitual, os passos do editor de Cultura, João Paulo Cunha, na manhã de terça-feira, só poderiam significar duas coisas: ou algum artista importante tinha morrido ou… “Achamos os meninos!”. João Paulo acabara de saber que a repórter Ana Clara Brant e o fotógrafo Túlio Santos tinham cumprido a missão que lhes foi confiada na semana passada: percorrer os arredores de Nova Friburgo e localizar, 40 anos depois, os dois garotos que aparecem na capa do Clube da Esquina. A única referência eram indicações um tanto imprecisas do autor da imagem, o fotógrafo pernambucano Cafi, que clicara os garotos a caminho da fazenda da família de um dos letristas do disco, Ronaldo Bastos, e jamais havia os reencontrado.

Munida de cartazes com a reprodução da fotografia, a dupla chegou à Região Serrana do Rio de Janeiro e saiu em busca do objetivo. Conversou com mais de 50 moradores da região. Suposições, negativas, dúvidas… até que uma das entrevistadas, Beth, bateu o olho na foto e, sem hesitar, identificou os garotos. Vieram outras confirmações e o trabalho passou a ser não só localizá-los, mas promover o inédito reencontro. Às 16h de quarta-feira, a repórter ligou para a redação e, eufórica, anunciou que a missão estava cumprida. Depois de escutar o relato, temperado por surpreendentes coincidências e lances inusitados, perguntei a Ana Clara se havia ficado emocionada com o desfecho da busca. E a resposta não poderia ser mais mineira: “Nó! Tirei até uma foto com eles, uai!”.

Com vocês, a história de dois meninos brasileiros que partilharam pães e sonhos numa estrada de terra no início dos anos 1970. Lô e Bituca? Não, Tonho e Cacau. Essa é uma história de poeira, espelho, vidro e corte. Mas é, acima de tudo, uma história com gosto de sol.

- Carlos Marcelo

Nova Friburgo - Você já ouviu falar em Tonho e Cacau? Ou quem sabe em José Antônio Rimes e Antônio Carlos Rosa de Oliveira? Provavelmente não, mas certamente já deve ter se deparado com a fotografia deles por aí. Isso porque os dois Antônios ilustram a capa de um dos discos mais importantes da história da música brasileira: o Clube da Esquina. Passados 40 anos que a câmera de Carlos da Silva Assunção Filho, o Cafi, registrou os dois meninos sentados na beira de uma estrada de terra perto de Nova Friburgo, Região Serrana do Rio, o Estado de Minas conseguiu localizá-los depois de uma busca que envolveu dezenas de pessoas e teve histórias saborosas.

Durante bom tempo, muita gente chegou a achar que as duas crianças da capa do LP seriam Milton Nascimento e Lô Borges, mas os próprios artistas sempre desmentiram. “A gente chegou a ir atrás deles, mas era muito difícil localizá-los. Eles devem ter caído no mundo”, declarou Cafi antes de a reportagem botar o pé na estrada rumo a Nova Friburgo. Na verdade, “Lô” e “Milton” praticamente nunca deixaram a região conhecida como Rio Grande de Cima, na zona rural da cidade fluminense, onde nasceram e cresceram.

José Antônio Rimes tem 47 anos e curiosamente exerce o ofício de recompositor, responsável por encaixotar, organizar e distribuir as mercadorias na seção de congelados de um supermercado da cidade. Apesar de a reportagem ter percorrido quilômetros até chegar a Tonho, como é conhecido, ele trabalha a um quarteirão do hotel onde estávamos hospedados. O encontro com o “menino branquinho do disco”, como ficou conhecido, foi cercado de expectativas. Os colegas do supermercado já sabiam da história e quando o recompositor chegou até se assustou: “Que tanto de gente é essa? Por que está todo mundo parado?”, espantou-se. Quando viu a capa do disco, não titubeou: “Oh, sou eu e o Cacau. Como é que vocês conseguiram isso? Quem tirou essa foto? Eu me lembro desse dia”, revelou.

Antônio Rimes recorda que estava brincando em um morro de terra removida pelos tratores que ficava próximo a um campinho de futebol, quando Cafi e Ronaldo Bastos passaram dentro de um Fusquinha. “Alguém do carro me gritou e eu sorri. Estava comendo um pedaço de pão que alguém tinha me dado, porque eu estava morrendo de fome, e para variar descalço. Até hoje não gosto muito de usar sapato. Mas nunca soube que estava na capa de um disco. A minha mãe vai ficar até emocionada. A gente nunca teve foto de quando era menino”, disse Tonho, que nunca ouviu falar em Milton Nascimento, tampouco em Clube da Esquina. “É aquele moço que foi ministro?”, indagou.

Já Antônio Carlos Rosa de Oliveira, de 48 anos, o Cacau, conta que não se lembra do exato momento da foto, mas que anos depois, quando morava em Macaé, no litoral norte do estado do Rio, se deparou com a capa do Clube da Esquina em uma loja de discos e desconfiou que se tratava dele mesmo. “Coloquei a mão sobre a minha foto e fiquei reparando aquele olhar. Achei que era eu mesmo e acabei comprando o CD, porque o LP não tinha mais. Até queria um para poder guardar”, frisa Cacau, que durante toda a reportagem não se desgrudou do álbum que pertence a um dos jornalistas do Estado de Minas . “Vou roubar este pra mim”, brincou.

Cacau e Tonho nasceram na fazenda da família Mendes de Moraes, na zona rural de Nova Friburgo, onde os pais trabalhavam como lavradores. Não desgrudavam um do outro e aprontavam bastante, segundo o relato de parentes e vizinhos que ajudaram a reconhecê-los. Jogavam futebol, bola de gude, pegavam frutas nas vendas da região, nadavam na prainha do Rio Grande e nas cachoeiras. Ficaram muito próximos até os 20 anos, quando as famílias acabaram se mudando para bairros diferentes de Nova Friburgo. Tonho ainda vive na cidade com a mãe, a esposa e as duas filhas, mas Cacau se mudou recentemente para Rio das Ostras, na Região dos Lagos, onde presta serviços como jardineiro e pintor.

Mesmo morando a 100 quilômetros de Nova Friburgo, topou reviver com o amigo a clássica fotografia da capa do Clube da Esquina. Não foi fácil localizar o exato lugar, já que a região do Rio Grande sofreu muito com os efeitos da tragédia de janeiro do ano passado e com o tempo. “Isto aqui mudou demais, então não dá para precisar. Quarenta anos não são 40 dias”, filosofou Cacau. Apesar do sol escaldante e da posição desconfortável, eles não se importaram de posar para a máquina fotográfica. “Quer que eu tire o sapato pra ficar parecido? Adoro ficar descalço mesmo! Se tiver um pão, também pode me dar”, pediu Tonho, dando gargalhadas.

Surpresa

A princípio, Tonho e Cacau ficaram ressabiados com a história de estamparem a capa de um LP e ao saber que a imprensa estava atrás deles. As famílias também desconfiaram. A mãe de Tonho, dona Aparecida Rimes, de 69 anos, a toda hora ligava para saber do filho, com receio de ele ter sido sequestrado. “A gente nunca viu isso por aqui. Mas agora que vocês chegaram à cidade estão dizendo que meu filho está até no computador. Fico preocupada”, admitiu a aposentada.

Cacau revela que só se deslocou de Rio das Ostras para Nova Friburgo porque achava que tinha alguma pendenga familiar para resolver. “Pensei que era coisa de pensão de ex-mulher. Essas coisas. Não acreditei muito nessa conversa de repórter não”, justificou o jardineiro, que é fã de MPB e conhece a obra de Bituca. “Gosto muito de Canção da América. É muito bonita. Mas o que vai acontecer agora que o povo vai descobrir que esse menino do disco não é o Milton Nascimento? Será que vão achar ruim comigo?”, questionou receoso.

Apesar de não compartilharem a intimidade de outrora, vez por outra eles se esbarram por Nova Friburgo e colocam o papo em dia. “A gente não tem tempo, fica nessa correria de trabalho, família. Eu fico no serviço das 6h às 18h, então complica demais encontrar com o pessoal. Cada um tomou o seu rumo, mas sempre que a gente se vê é uma farra. Amigo é amigo, né? Para toda a vida”, destacou Tonho.

Cara do Brasil

Autor da imagem original, o fotógrafo pernambucano Cafi conta como nasceu o clique: “A gente ficava andando com o Fusquinha do Ronaldo (bastos) pelas estradas, tirando foto de nuvens, porque a gente ia criar a nossa empresa, Nuvem Cigana. Uma das nuvens, inclusive, está no encarte do Clube da Esquina”. Ao ver os meninos, decidiu fazer o registro: “Foi como um raio”, lembra Cafi. “ É uma imagem forte. A cara do Brasil. E foi na época em que vários artistas estavam exilados fora daqui. E tinha essa coisa da amizade presente também. O Milton adorou a foto e ela acabou indo para a capa”, relembra Cafi, 61 anos, radicado no Rio de Janeiro.

O Clube da busca

Foram necessárias, pelo menos, 53 pessoas para chegar até os dois “garotos”. Porém, algumas tiveram um papel fundamental. O desenrolar do fio da meada se deu quando, a pedido do Estado de Minas, um jornalista de Nova Friburgo, Wanderson Nogueira, anunciou na rádio local sobre a procura. Uma ouvinte da região, a costureira Rogéria dos Santos, de 56 anos, entrou em contato com a reportagem, comunicando que nunca tinha ouvido falar da história do disco, mas conhecia muitos moradores da zona rural que poderiam auxiliar na busca.

Rogéria dos Santos nos levou até a auxiliar de produção Gilcelene Tomaz Ferreira, de 33 anos, pois muitos da cidade desconfiavam que o menino negro do Clube seria alguém da família dela, filho de Severino, um antigo lavrador. Por indicação da mãe de Gilcelene, Helena, chegamos até Erasmo Habata, floricultor da região. Com o LP na mão, assegurou: “Este pretinho não é filho do Severino. Mas este mais branquinho é filho do Laerte Rimes, um lavrador da região. E deve ser o Tonho”, frisou. Outras indicações – pistas falsas – nos levaram a checar várias pessoas, entre elas um paciente internado em clínica psiquiátrica e até um foragido da Justiça.

Na manhã seguinte, partimos atrás de um casal que morou mais de 30 anos na região e conhece todo mundo: a dona de casa Elizabeth Fernandes Silva, de 58 anos, e o pedreiro Fernando da Silva, de 62. “Na época, a dona Querida, que é a mãe do Ronaldo e do Vicente Bastos, lá da Fazenda Soledade, nos mostrou essa foto num pôster. Sempre soube que eram o Tonho e o Cacau. Não temos dúvidas que são eles, porque eles viviam juntos pra cima e pra baixo”, apontou Beth. “Os dois conservam aquele jeitinho. São eles sim e acho que eles vão ficar muito felizes”, opinou Fernando.

E em menos de 24 horas, com a ajuda da população local, finalmente estava desvendado a identidade dos dois meninos da capa do Clube da Esquina. “A gente fica até emocionado. Eles mereciam ser descobertos. É um reconhecimento mesmo com tanto tempo”, resumiu Rogéria dos Santos.

Fonte : O Estado de Minas

Clube 40 anos - Lô Borges: "O clima era de fraternidade"

Ele teve que enfrentar o Exército e a própria mãe para poder gravar o disco que mudaria os rumos da sua vida. Lô Borges era um adolescente de 19 anos quando foi convidado por Milton Nascimento para assinar junto com ele o LP Clube da Esquina e até hoje não se cansa de agradecer ao amigo e parceiro pelo convite. “Sou eternamente grato a ele. Costumo dizer que, no mínimo, de três em três anos tenho que agradecer ao Milton por tudo que ele fez por mim”, salienta. Sentado na famosa esquina da Rua Divinópolis com a Rua Paraisópolis, no Bairro de Santa Tereza, onde deu os primeiros acordes no violão, Lô recorda a experiência mágica da gravação do álbum duplo de 1972 e o que todo aquele processo criativo deixou como legado.

Você começou sua carreira com o pé direito, já que este foi seu primeiro disco. O que ele representou na sua vida?

Foi uma definição do rumo que dei para minha vida. O Milton me convidou para gravar e assinar o álbum com ele e foi uma luta para eu conseguir ir para o Rio. Minha mãe teve que autorizar, porque era ditadura, ela tinha um certo receio, achava que eu corria risco e não foi fácil convencê-la. O fato de o disco ser meu também ajudou, porque, se fosse só uma participação, talvez ela não deixasse. E ainda estava na idade de me apresentar ao Exército. Ia começar a servir e cheguei a ser hostilizado quando comentei que era músico. Contei para o capitão da minha companhia que o Bituca estava me chamando para dividir um álbum com ele. Quando me reapresentei, o capitão perguntou: “Qual é o músico da minha companhia?”. Ele me pegou pelo braço hostilmente e disse: “Você não vai seguir o Exército porque nós não queremos gente da sua espécie aqui dentro, seu comunista, seu esquerdista”. E aí fui praticamente escorraçado do Exército, minha mãe me liberou e finalmente fui gravar o Clube da Esquina no Rio de Janeiro.

E como foi o processo de gravação?

Já saí de Belo Horizonte com o Clube da Esquina bem definido na minha cabeça. Mas disse ao Bituca que só ia ao Rio se pudesse levar um cara que tocava comigo, que tocava Beatles e era da minha banda, The Beavers (Os Castores), porque achava que ele seria muito importante para as minhas músicas. Era o Beto Guedes. Mas nem tudo foram flores para fazer aquele álbum. O Milton travou uma batalha pessoal com a gravadora para poder me colocar no disco, já que eu era praticamente desconhecido. Sou eternamente grato a ele. Costumo dizer que, no mínimo, de três em três anos tenho que agradecer ao Milton por tudo que ele fez por mim. Esse disco mudou a minha vida. Foi muito legal todo o processo. Eu morando com o Bituca, o Beto e o Jacaré, primo do Milton, no Rio de Janeiro. E depois fomos morar numa praia deserta para poder compor. E as coisas iam surgindo. Porque esse disco não teve muito ensaio e nasceram coisas geniais. Vejo como uma verdadeira oficina criativa em todos os aspectos; na música, nas letras. Você pensar que 40 anos depois esse trabalho figura no livro 1.001 álbuns que você deve ouvir antes de morrer é fantástico.

E você ainda teve um outro trabalho muito importante lançado naquele ano, que foi o “disco do tênis” (Lô Borges), não é?

Pois é. Para mim foi uma coisa sensacional. Um começo de carreira iluminado. Foi a duras penas, porque a barra não estava leve. Era ditadura e tudo. O “disco do tênis” foi feito meio na loucura. Eu brinco que ele foi feito igual disco de cantador. Já tinha assinado com a gravadora e não tinha as músicas prontas. Fazia a música de manhã, o Márcio, meu irmão, colocava a letra à tarde e a gente chegava ao estúdio com elas fresquinhas. Eu fiz o Clube no começo do ano e o do tênis no final. Eu era muito menino e foi uma responsabilidade começar de cara gravando com arranjo de Eumir Deodato, orquestra no estúdio, no caso do Clube da Esquina. Eu nem sabia ler partitura naquela época e não podia errar nada. Tinha que ser saudavelmente irresponsável para participar daquilo tudo. Gravar um disco já era uma novidade, um desafio, porque era praticamente ao vivo, e gravar daquele jeito, mais ainda. A partir dali fui sendo conhecido, gravado por gente como a Elis Regina, o Tom Jobim. Tenho muito orgulho de tudo isso.

Você acredita que o disco Clube da Esquina continua influenciando gerações?

O Clube formou e informou várias gerações que fazem música de qualidade. Mesmo depois de 40 anos, a perenidade é impressionante. Vejo nos meus shows, gente de 15, 20 anos de idade cantando O trem azul, Um girassol da cor de seu cabelo, Paisagem da janela. O disco só é forte até hoje porque foi feito com muita verdade. As pessoas se empenharam muito. Agradeço a todos os músicos que contribuíram para fazer aquele álbum: Novelli, Robertinho Silva, Toninho Horta, Luiz Alves e tantos outros. Todo aquele clima de fraternidade e criatividade que imperava. Até hoje, as minhas músicas mais conhecidas são do disco Clube da Esquina. Analiso a minha carreira hoje e vejo que tudo começou com essa história do Clube.

E as comemorações pelos 40 anos? Como andam?
Tem que esperar o aval do Milton. Qualquer comemoração envolvendo o Clube da Esquina tem que partir do Milton, porque ele é o titular da pasta (risos). Se ele fizer o convite, ótimo. A gente vai com certeza. Basta o Bituca estalar os dedos.

Você acha que seria possível fazer um Clube da Esquina 3, apesar de o Milton afirmar que o Angelus já seria esse Clube 3?
Acho que não seria necessário. Os dois Clubes foram suficientes para mostrar muita coisa boa. O Clube 2 projetou a carreira de muita gente, abriu as portas para várias pessoas. E no primeiro também. Todo mundo que participou teve um upgrade na carreira.

E você mantém contato com os integrantes do Clube, continua compondo com eles?

Muito pouco. Tenho contato com Bituca, o Márcio, meu irmão. A gente vai seguindo a vida, tendo a própria carreira, os próprios projetos. Faço coisas com o Márcio, mas hoje meus principais parceiros são o Samuel Rosa – a gente tem feito muita coisa bacana – e a Patrícia Maês (mulher de Lô), que inclusive assina comigo cinco músicas no meu trabalho mais recente, o Horizonte vertical.

Fonte : Divirta-se Uai

Olá Clubeiros !!!

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